Segundo o professor Rui de Souza Josgrilberg, no livro Nós e a
Missão, “A missão é a razão principal da existência da comunidade de
fé... Tudo o que se faz na comunidade é feito em função da Missão.”
Neste sentido, toda a ação da Igreja, seus planejamentos e objetivos
devem girar em torno da missão.
Para facilitar a compreensão do seu objetivo missionário, algumas
comunidades de fé têm o costume de elaborar uma declaração de
propósitos. Esta declaração de propósitos tem a finalidade de nortear os
projetos e a forma da igreja agir, ela também tem a finalidade de
facilitar a compreensão dos seus membros quanto ao objetivo principal de
sua existência.
Neste caso, todos os projetos, teologia e ação da Igreja devem girar em torno desta declaração de propósitos.
Quando analisamos nossos documentos, nós percebemos que a Igreja
Metodista não está aquém desta questão que para muitos é o auge dos
projetos de crescimento e desenvolvimento da Igreja. Pelo contrário,
antes mesmo de muitos livros serem escritos a este respeito, antes mesmo
deste tipo de ação ou pensamento entrar em voga, a Igreja Metodista já
possuía muito bem clara sua definição de missão numa declaração de
propósitos:
“A Igreja Metodista tem como principal missão participar da ação de
Deus no seu propósito de Salvar o mundo. A Igreja Metodista faz isso
realizando cultos, pregando o Evangelho, ministrando os sacramentos,
ensinando os membros da igreja e capacitando-os para os diversos
ministérios” (Art. 3º da Constituição da Igreja Metodista).
“A missão de Deus no mundo é estabelecer o seu Reino. Participar da
construção do Reino de Deus em nosso mundo, pelo Espírito Santo,
constitui-se na tarefa evangelizante da Igreja” (Plano de Vida e Missão
da Igreja).
Para nós, metodistas, e com base na revelação das Escrituras, a força
da missão e o seu principal fator motivador em nossas vidas, reside no
fato de que o próprio Deus é um Deus missionário. Neste caso, qualquer
envolvimento com o Deus da Bíblia, significa envolver-se num grande
projeto missionário.
O Deus missionário que aparece de Gênesis a Apocalipse em nossas
Bíblias, é sempre aquele que vem até nós, nos transforma pelo seu poder
restaurador e por fim nos envia. Não dá pra fugir desta dinâmica.
Envolver-se com o Deus da Bíblia significa estar sujeito e disposto ao
envio missionário. “Vem, agora, e eu te enviarei a Faraó, para que tires
o meu povo, os filhos de Israel, do Egito” (Ex 3. 10). Biblicamente e
teologicamente, não dá pra envolver-se com aquele que é o Grande
Missionário e não ser influenciado ou impactado pelo amor à missão.
Entender o significado Bíblico, Teológico e Prático da missão é de
vital importância para nós, especialmente neste curso, para entendermos o
que de fato significa Evangelizar.
Segundo consta num dos nossos documentos (PVMI): “A Evangelização, como parte da Missão, é encarnar o amor Divino nas formas mais diversas da realidade humana,
para que Jesus Cristo seja confessado como Senhor, Salvador, Libertador
e Reconciliador. A Evangelização sinaliza e comunica o amor de Deus na
vida humana e na sociedade através de adoração, proclamação, testemunho e
serviço” (grifo meu).
Segundo o Plano para Vida e Missão da Igreja, a Evangelização é
apenas uma parte da missão, ela não é a missão, a missão é algo bem mais
abrangente, maior. De certa forma, a Evangelização é um agente da
missão, e para que este agente desempenhe sua tarefa adequadamente, é
preciso que nós compreendamos o verdadeiro sentido da missão. Para isso,
eu gostaria de extrair alguns fatores que são importantes para o nosso
estudo baseado na experiência de Moisés com Deus: Êxodo capítulo 3 e 4.
1- Deus vai Sempre ser o Missionário por Excelência
A missão vai ter sempre o seu início naquele que é o missionário por
excelência, o próprio Deus. Neste caso, precisamos entender com clareza
que “a missão é anterior ao povo de Israel e a Igreja; ela começou com
Deus em sua interação de Criador e com o seu amor” . A missão nasce
então, do envolvimento de Deus com sua criação, trata-se de um
envolvimento profundo, um envolvimento de amor cuja finalidade é a
promoção do ser humano. O que deve mover o ardor missionário e com ele a
evangelização, não é o desejo de encher a igreja de membros, mas o amor
pelas almas associado ao desejo de promovê-las. Isto é, elevar seu
nível e qualidade de vida. Trata-se aqui de pensarmos em missão num
sentido integral, cuja finalidade é a promoção total do ser humano,
envolvendo-o e transformando-o no âmbito religioso, social, político,
étnico e ético.
Quando analisamos a Palavra de Deus, nela nós percebemos que o
primeiro gesto missionário de Deus aconteceu na criação. Depois de ter
criado todas as coisas através da Palavra. Deus decide criar o ser
humano. Mas esta criação se dá de forma especial.
O texto bíblico nos diz: “façamos o homem...” (Gn 1. 27). Este ser
humano foi feito. Não de qualquer forma, mas muito bem trabalhado... À
imagem de Deus...
Ao criar o ser humano, de forma única e especial, do barro, Deus estava
envolvendo-se com ele no sentido de promovê-lo. Na criação, Deus tem
suas mãos envolvidas pela humanidade e a humanidade é envolvida pelas
mãos de Deus.
Paulo também utiliza uma expressão que é interessante no grego: “Pois
somos feitura dele...” poiema (feitura) trata-se de uma palavra bem
sugestiva, que nos remete a um tipo de criação realizada num momento de
profundo amor ou inspiração, quase um poema.
Participar da missão significa participar ao lado de Deus de sua
intenção de promover e amar o ser humano. Neste sentido, a missão da
Igreja e ao seu lado a evangelização, vão ser sempre um movimento
voltado para a promoção da vida e da dignidade do ser humano no seu mais
alto nível.
Neste caso, a evangelização não acontece apenas no âmbito pessoal, individual, mas ela alcança:
- A cultura;
- A política;
- A ética e a moral.
A Igreja é conclamada por Jesus a ser sal a luz no “mundo”. Ela é
desafiada a transformar não somente as pessoas, mas o meio em que a
Igreja e cada pessoa está inserida.
2 - Participar da Missão Implica num Despertamento e num Encontro com o Deus Missionário
Nós poderíamos dividir a vida de Moisés em três fases importantes:
1ª fase: seu nascimento e criação no Egito;
2ª fase: descoberta de sua identidade
israelita, a morte do Egípcio e a fuga para o deserto de Mídiã, ali ele
vive por aproximadamente 40 anos;
3ª fase: o encontro com Javé e o envolvimento no projeto de libertação do povo (Êxodo)
Gostaria de chamar a atenção de todos para a 2ª e 3ª fase da vida de Moisés.
A descoberta da identidade Israelita de Moisés
Moisés é o grande líder de Israel, e o movimento liderado por ele, o
Êxodo, constitui-se na base de toda a formação teológica do povo de
Israel.
Após uns 40 anos de vida, sob o cuidado da realeza egípcia, Moisés
descobre que é um filho adotado, e que o seu verdadeiro povo era o povo
que estava sendo oprimido ali no Egito. Os israelitas eram seus
verdadeiros irmãos e irmãs, gente de sua gente... Esta descoberta o fez
sentir algo diferente, a ponto dele levantar-se contra um dos soldados
de faraó e mata-lo (Ex 2. 11-12) para defender um israelita. O
envolvimento missionário surge quando descobrimos que o outro é gente de
nossa gente.
O relato diz que o feito foi descoberto, Moisés foge para Midiã e ali
fica cerca de 40 anos. Durante todo esse tempo Moisés não se lembrou ou
não se preocupou com a situação do seu povo. Entretanto, tudo mudou em
sua vida a partir do momento em que ele teve seu despertamento através
do encontro com Javé. Foi justamente a partir do seu encontro com Deus
que Moisés aceita o desafio e se envolve plenamente com a Missão.
Moisés nos ensina duas lições:
- Envolvimento com a missão sem envolvimento com Deus não perdura: Acho que a grande dificuldade da Igreja e de muitos em diversos momentos reside nesta questão. Nós descobrimos que aqueles que estão oprimidos são nossos irmãos e irmãs, ficamos revoltados e interessados em ajudar, nos envolvemos por um breve momento. Mas em meio aos desafios fugimos nos acomodamos e nos esquecemos. Nesta fase de sua vida Moisés ainda não conhecia a Javé.
- Participar plenamente da missão implica num encontro com Javé: Foi no encontro com Deus que Moisés se envolveu definitivamente com a missão. Foi no diálogo com Javé que Moisés redescobriu que o seu povo ficara no Egito. E que era preciso retornar e participar do movimento de libertação do povo.
3- A Missão Exige Envolvimento Pleno
Não é possível fazer missão sem se envolver plenamente na missão.
Moisés teve de voltar para o Egito. Ele não podia fazer missão em Midiã.
Nós nos enganamos quando pensamos que é possível fazer missão sem sair
da Igreja. A missão, e associada a ela, a evangelização deve acontecer
onde o povo oprimido está. A missão não acontece dentro da Igreja, mas
no mundo. No lugar onde o povo oprimido levanta o seu clamor.
Este tipo de envolvimento pleno é-nos demonstrado pelo próprio Deus:
- No ato da criação: ao moldar o ser humano no barro: Deus se mistura à nossa humanidade e a nossa humanidade se mistura com Deus; Esta mistura ganha seu ápice na Encarnação do Verbo ( Jesus);
- Nos verbos apresentados a Moisés: Eu vi a aflição do meu povo; Eu ouvi o seu clamor; Eu desci pra livrá-lo da mão dos seus exatores.
Sem um envolvimento pleno não há possibilidade da realização da
missão. E nós devemos ter em mente que, em primeiro lugar, este
envolvimento pleno parte do próprio Deus. E o nosso envolvimento é
motivado pela certeza que Deus já está envolvido no projeto de
libertação do ser humano; Ele desceu para promover o livramento, ou à
luz do Evangelho de João: “o Verbo se fez carne e habitou entre nós...”
(Jo 1. 14). O Deus da Bíblia vai ser sempre conhecido como uma presença
viva “Eu estou porque Estou” (Ex 3. 14).
A Igreja precisa redescobrir o Deus do Êxodo (Javé) e o Deus
Encarnado (Jesus). Algo que tem me preocupado muito nos últimos dias,
especialmente refletindo mais sobre a missão e a evangelização, é o fato
de que uma boa parte da teologia que é pregada, ensinada e cantada em
nossas comunidades de fé fala ou transmite a idéia de um Deus puramente
transcendente.
Embora a transcendência seja sempre um elemento característico de
Deus. O apóstolo Paulo canta esta inacessibilidade profunda em sua carta
aos Romanos: “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do
conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e quão
inescrutáveis os seus caminhos”(Rm 11. 33). É preciso termos em mente
que este Deus inacessível em sua transcendência se fez carne e habitou
entre nós. Ele assumiu nossa humanidade para nos revestir de sua
divindade.
Ficar preso ou enfatizar apenas a transcendência de Deus em muitos
casos significa tirar Deus do nosso meio e aprisioná-lo no céu. É muito
bom cantarmos com a Ana Paula Valadão: “Quero subir, ao monte santo de
Sião e entoar um novo cântico ao meu Deus”. Mas também é preciso cantar:
Quero descer do monte santo de Sião e encontrar o povo do Senhor... No
Egito. Porque Javé ouviu o seu clamor e desceu do monte de Sião para
livrá-lo da mão dos seus exatores.
Este tipo de teologia que nos tem sido ensinada é comodista e não
reflete a vontade e o desejo de Deus. O encontro com o Senhor no monte é
necessário, mas para nos revelar que Javé é aquele que desce, e nos
chama para descermos com ele: “Vem, agora, e eu te enviarei a faraó...
Eu serei contigo...” (Ex 3. 10a e 12b). O Deus da Bíblia vai ser sempre
uma presença viva. E esta presença vai sempre motivar o ser humano à
missão.
A verdadeira missão/evangelização deve obedecer à dinâmica da ação instituída por Deus:
- Eu vi a aflição do meu povo: na experiência do Êxodo, Deus nos mostra como deve acontecer a missão. Ela nasce em primeiro lugar da percepção. “Eu vi a aflição...” Sem percepção não há missão. Se a igreja não ver as situações de sofrimento e se estas situações não incomodar seu coração, ela nunca irá fazer missão.
- Eu ouvi o seu clamor: a missão é desenvolvida não sobre os interesses da Igreja, mas em torno das necessidades do ser humano. “Eu ouvi o seu clamor...” acima de tudo, a igreja precisa entender qual é o clamor do mundo, do país, da cidade, do bairro. É em torno do clamor do ser humano que nós devemos levar a mensagem de libertação e salvação. No Egito, o povo clamava por libertação, por dignidade, e foi em torno desta necessidade que Moisés e Arão proclamaram as palavras de Javé. Não é à toa que Jesus ao proferir seu primeiro discurso na Galiléia disse: Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça; bem-aventurados os que choram etc. Ele estava falando para um povo que necessitava de tudo isso. É em torno do clamor do ser humano que nós devemos desenvolver a nossa mensagem na missão, porque se a nossa mensagem não for de encontro com a necessidade deste povo, ele não nos ouvirá nem participará conosco do projeto/processo de libertação. “Aqueles(as) que se dispuseram a pregar e testificar ouviram não apenas o chamado de Deus, mas, também o clamor do povo”.
- Eu desci para livrá-lo: Este é o principal gesto, o mais significativo, Deus não vê de longe, nem tão pouco ouve ou fala de longe, Ele se aproxima e faz com que seus enviados (Moisés e Arão) se aproximem também. A missão acontece no Egito, e não em Midiã. É preciso sair do comodismo e do aconchego de Midiã e ir para o Egito. A Igreja só vai aprender a fazer missão quando ela sair de dentro de si e envolver-se na lama daqueles que amassam o barro dos tijolos do sofrimento e da dor impostos pelo sistema de Faraó. Neste sentido, o projeto missionário da igreja deve nascer não dentro dela, mas dentro da realidade da comunidade que ela quer alcançar.
A Igreja Metodista tem uma dinâmica de pensamento muito parecida com o
que acabamos de mencionar. Tudo na vida da Igreja Metodista é analisado
sob os verbos: ver, julgar e agir. Esta premissa não foge do projeto
estabelecido por Deus: ver, ouvir (para julgar entender) descer
(envolver-se, agir).
4- O Objetivo da Missão é Implantar o Reino de Deus
Agora podemos definir o que é missão:
“Nosso Deus é um Deus missionário, e sua missão é implantar o seu Reino na terra.” .
Tanto no Antigo Testamento, quanto no Novo Testamento, a intenção do
coração de Deus, do começo até o fim dos tempos é Salvar o Mundo. Neste
sentido, a razão da existência da Igreja, ou tudo o que ela pensa e faz
deve girar em torno da missão de Deus.
A evangelização deve obedecer a este princípio maior e motor. A
mensagem proclamada na evangelização deve refletir o projeto missionário
de Deus: Implantar o Reino. Neste caso, o Reino de Deus é maior do que a
Igreja, especialmente a Igreja Metodista. Assim, “a finalidade da
Missão não é angariar discípulos. Fazer discípulos significa preparar os
homens que reconhecem a ação de Deus afim de que eles participem da
Missão”.
O objetivo da Missão é implantar o Reino de Deus. O objetivo do
discipulado é capacitar e equipar aqueles que entenderam o objetivo da
missão e desejam participar dela. A missão exige envolvimento com o ser
humano e a denúncia do sistema teológico/ideológico/social que o oprime.
A implantação do Reino de Deus torna-se então sinônimo de missão.
Quando falamos do Reino, falamos em primeiro lugar de justiça, dignidade
e restauração da vida. O que despertou o desejo e o interesse do povo
de aderir ao movimento instituído por Moisés foi a promessa da
restauração da dignidade e da justiça na vida doe todos, representada
pela presença de Javé e pela promessa de saída do Egito.
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