A HIERARQUIZAÇÃO E ROMANIZAÇÃO DA IGREJA.
Por Joelson Gomes
A Igreja foi um plano de Deus desde antes da fundação do mundo e
revelada na história pela pregação do evangelho de Jesus Cristo, tendo sua expressão terrestre sido formada
em Jerusalém no Dia de Pentecoste. É daquela igreja formada em Jerusalém
que descendem todas as outras igrejas cristãs do mundo, ela é a primeira, a original.
Mas e os que
dizem que a ICAR (Igreja Católica
Apostólica Romana) foi a primeira Igreja têm razão? Certa vez alguém
escreveu: “É verdade que a Roma papal não
se fez em um dia”.[1]
Realmente, a Igreja Cristã não começou em Roma, nem tendo um o Papa por chefe.
Mas, como surgiu a Igreja Romana? Vamos descobrir agora.
3.a- A Hierarquização da Igreja.
Vamos começar
definindo a palavra Católico: em primeiro lugar esta palavra não significa uma
igreja, mas significa: todo, geral.
Ela não é usada em nenhuma parte do Novo Testamento, e foi aplicada a igreja
cristã pela primeira vez pelo bispo de Antioquia Inácio, em uma carta para a Igreja de Esmirna. Ele queria, ao usar
esta palavra, se referir à igreja toda, inteira, completa.[2]
A idéia de uma
igreja universal centrada em um bispo não foi determinada por Deus, nem aparece
no Novo Testamento.
Uma
investigação cuidadosa das fontes do Novo Testamento nos últimos 100 anos nos
mostrou que esta constituição de igreja centrada no bispo, não é absolutamente
determinada por Deus ou dada por Cristo, mas é o resultado de um longo e
problemático desenvolvimento histórico. É obra humana, e, portanto, poder ser
mudada.[3]
Nas primeiras
igrejas cristas não havia um episcopado monárquico, mas sim era o sistema congregacional que imperava.
No inicio, as
igrejas demonstravam grande variedade de organização e práticas. Com o passar
dos anos, paulatinamente, elas começaram a exigir um padrão mais rígido. A
partir do momento histórico em que a Igreja foi legalizada pelo império Romano,
ela passou a se adaptar à imagem do mundo secular.[4]
Küng é enfático ao observar:
Qualquer
leitor da Bíblia pode ver, a partir dos primeiros documentos do Novo
Testamento, aquelas cartas do apóstolo Paulo cuja autenticidade é indiscutível,
que neles não há qualquer menção a uma instituição legal da igreja (nem com
base na “autoridade apostólica” de Paulo).[5]
E o historiados Earle E. Cairns:
Os apóstolos
tomaram a iniciativa da criação de outros cargos na Igreja quando dirigidos
pelo Espírito Santo. Isso não implica uma hierarquia piramidal, como a
desenvolvida pela Igreja Católica Romana, porque os novos oficiais deviam ser
escolhidos pelo povo, ordenados pelos apóstolos e precisavam ter qualificações
espirituais próprias que envolviam a subordinação ao Espírito Santo. Assim,
havia uma chamada interna pelo Espírito santo para o oficio, uma chamada
externa pelo voto democrático da igreja e a ordenação ao oficio pelos
apóstolos. Não deveria haver uma classe especial de sacerdotes à parte para
ministrar um sistema sacerdotal de salvação, porque tanto os oficiais da igreja
como os membros eram sacerdotes com o direito de acesso direto a Deus através
de Cristo (Ef. 2:18).[6]
Note-se também
que as palavras bispo, pastor e
presbítero eram empregadas como sinônimas
no Novo Testamento[7] (At. 20:
17, 28), sem haver acentuada subordinação hierárquica (Fp. 1:1, veja que neste
texto quem vem primeiro são os santos, ou seja, os membros da igreja, e não os
oficiais; veja também a equivalência entre presbítero
e bispo em Tt. 1:5,7).[8]
Os irmãos nas
igrejas resolviam seus problemas em reuniões de membros, assembléias.
Se teu irmão
pecar {contra ti}, vai argüi-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a
teu irmão. Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas,
para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se
estabeleça. E, se ele não os atender, dize-o
à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e
publicano (Mt. 18:15-17).
Veja que a palavra final não é de
um líder ou bispo, mas da igreja.
Quando
aconteceu um problema na ação social que a Igreja Primitiva praticava veja o
que os apóstolos fizeram:
Então, os doze
convocaram a comunidade dos
discípulos e disseram: Não é razoável que nós abandonemos a palavra de Deus
para servir às mesas. Mas, irmãos,
escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de
sabedoria, aos quais encarregaremos deste serviço; e, quanto a nós, nos
consagraremos à oração e ao ministério da palavra. O parecer agradou a toda a comunidade; e elegeram Estêvão, homem
cheio de fé e do Espírito Santo, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, Pármenas e
Nicolau, prosélito de Antioquia (At. 6:2-5).
A comunidade
era ativa na resolução de todas as situações, o poder não estava numa classe
ordenada ou privilegiada, mesmo com os apóstolos em vida (At.15; 1 Co. 5:1-8;
6: 1-5).
Quem julgava a
doutrina não era um grupo de líderes, um clero, mas a igreja toda tinha esta
responsabilidade (Gl. 1: 1, 6-9).
Paulo diz que
se fez acompanhar até Jerusalém por um representante que foi eleito[9]
pelas igrejas (2Co. 8:19). Comentando o fato uma nota na Bíblia de Estudo de Genebra diz: “Havia algum papel congregacional na seleção de representantes que
acompanhassem Paulo”. [10]
Era a igreja que escolhia democraticamente seus oficiais (At. 1:15-26; 6:3).
Não havia um
poder central como passou a ter nos séculos III e seguintes, mas as igrejas se autogovernavam, autosustentavam,
autodisciplinavam, e autopropagavam,
na direção do Espírito Santo.[11]
Só com o passar do tempo é que os bispos assumiram uma posição de hierarquia
nas suas igrejas, assumindo o papel de sacerdotes e como na Antiga Aliança, se
fizeram de mediadores do povo.
3.b-- A Romanização.
Também não
havia uma sede única no cristianismo primitivo, como Roma se tornou depois, mas
existiam várias sedes importantes como: Corinto,
Roma, Éfeso, Antioquia, Alexandria, Jerusalém,
mas eram sedes que não dominavam sobre as outras.[12]
Só foi em meados do século III que a igreja de Roma com seu bispo começou a requerer
supremacia para si, e a posição de destaque da cidade de Roma só começa no
final do século IV.[13] Roma
era a capital do império e era natural que a igreja de lá quisesse assumir uma
posição de dominação no Ocidente, afinal era a igreja da cidade onde estava o
imperador.
É evidente que
a Roma papal não se fez em um dia. Mas, intencionalmente e conscientes de seu
poder, os bispos de Roma dos séculos IV e V desenvolveram sua competência na
direção da primazia universal. As reivindicações que eles fizeram talvez não
tivessem fundamento bíblico nem teológico, mas, com o passar dos séculos,
entraram para a lei da igreja como fatos aceitos.[14]
Observe abaixo
alguns passos para a romanização da Igreja:
·
No cristianismo primitivo a igreja de Roma era
mais uma como as outras igrejas irmãs.[15]
·
Atribui-se a São Cipriano (bispo de Cartago, 200-258) a frase Ecclesia in epíscopo (A Igreja está no
bispo). A divisão administrativa do império (romano) acabou por ser aproveitada
na organização da hierarquia e administração eclesiásticas: as sedes episcopais
coincidiam com os territórios das antigas cidades romanas, a estrutura da
religião sobrepôs-se a própria estrutura do império. O bispo, máxima autoridade
religiosa, firmou-se também como autoridade civil, preenchendo vazios de poder
a partir do Baixo Império Romano (o império em queda). [16]
·
Com o bispo
Júlio (337-352) a igreja de Roma se declarou um tribunal de recursos
universais.
·
O Concílio
de Constantinopla (381) reconheceu a primazia da sede romana. Foi dado ao
patriarca de Constantinopla certo tipo de primazia, mas logo abaixo do bispo de
Roma.[17]
·
O bispo
Dâmaso (366-384) começou a reivindicar poder para si usando Mt. 16 18, e
exaltou Roma como a única sede da Igreja excluindo todas as outras.
Provavelmente tenha sido ele o primeiro a descrever Roma como a “Sé Apostólica”.
[18]
·
Sirício
(384-399) foi o primeiro bispo romano a
se intitular de papa. Esta palavra era usada por todos os bispos do
oriente, e não dava exclusividade de chefia a nenhum deles.
·
Em 390
o imperador Constantino transferiu a capital para a cidade de Constantinopla,
em Roma o homem forte passou a ser o bispo. [19]
·
No séc. V o bispo
Inocêncio (401-417), solicitou que as questões importantes fossem levadas
ao bispo romano para que ele desse a decisão.
·
Foi o
bispo Bonifácio (418-422) que declarou que seus julgamentos e decisões
deveriam ser permanentes e obrigatórios.
·
Em um
edito em 445, o imperador
Valentiniano III reconheceu a supremacia do bispo de Roma em negócios
espirituais, o que ele estabelecesse agora virava lei. [20]
·
E foi Leão
I (440-461) o homem que se pode dizer foi o primeiro papa na essência da
palavra.[21] Famoso
por ter conseguido livrar Roma dos ataques bárbaros de Atila, o Huno, e de
Genserico, não foi difícil atrair poder para si. Roma estava perdendo o império
(o Império Romano caiu em 476), e a Igreja Romana assumiu o seu lugar. Ele
começou a insistir que o papa de Roma deveria ter preeminência sobre todos os
sacerdotes, e que a igreja de Roma, pela consagração conjunta segundo ele, de
Paulo e Pedro deveria ser colocada acima das outras igrejas.
Portanto, toda
a hierarquização (bispos supremos, papas, cardeais, etc.) e a romanização da
Igreja foi algo que levou muito tempo para se construir. A Igreja Cristã não
foi estabelecida por Cristo em Roma, nem no modelo da Igreja Romana, esta
igreja é um produto do século IV em diante.
CONCLUSÃO.
a) A Igreja é a reunião dos salvos de
todos os tempo e lugares sob a liderança do supremo pastor Jesus Cristo.
b) A Igreja não começou em Roma, mas em
Jerusalém, esta é a primeira igreja;
c) A Igreja de Cristo fundada por Ele
no Novo Testamento era simples e congregacional em seu sistema de governo, não
tendo papas ou cardeais. Seus assuntos eram resolvidos entre os irmãos (1Co.
6:1-8). Toda hierarquização da mesma, com o poder colocado num bispo humano é
produto dos homens, e levou muito tempo para se consolidar.
d) A igreja fundada por Jesus não é a
Igreja Romana, mas aquela por quem Ele deu a vida que é invisível, e compõe-se
de todos os verdadeiros salvos em todos os tempos, até a sua gloriosa volta em poder.
[22]
e) Assim, todo cristão verdadeiro que
viveu, vive e viverá nesta terra faz parte da verdadeira igreja de Jesus que se
manifesta nas mais diversas comunidades humanas.
f) Você faz parte da Igreja de Cristo?
Se faz qual o seu trabalho na mesma?
NOTAS
[1] KÜNG, Hans. Igreja
Católica, p. 71.
[2] Ibid, p. 44.
[3] Ibid, p.
46.
[4]MULHOLLAND, Dewey M. Teologia da Igreja, p. 62. BRUCE, F. F. Comentário Bíblico NVI, p. 1502.
[5] Igreja Católica,
p. 46
[6] O Cristianismo
Através dos Séculos, p. 67.
[7] BRUCE, F. F.
Comentário Bíblico NVI, p. 1805.
[8] Comentando Tito 1:7 diz A Bíblia de Estudo de Genebra:
“A mudança casual de “presbítero” para
“bispo” mostra que Paulo entende os dois termos como designação do mesmo ofício”.
Bíblia de Estudo de Genebra (São Paulo: Cultura Cristã, 1999), p. 1457.
[9] É importante a palavra grega que Paulo usa aqui para
eleito (cheirotonêtheis),esta palavra significa: votar erguendo a mão,
eleger, apontar, indicar. Pode indicar que as igrejas elegeram este homem
através de votação. Ver RIENECKER, Fritz e ROGERS, Cleon. Chave Lingüística do Novo Testamento Grego (São Paulo: Vida Nova,
2006), p. 356.
[10] Ibid, p.
1381.
[11] BRUCE, F. F. Comentário
Bíblico NVI, p. 1994
[12] Arquivos
História Viva Cristianismo (São Paulo: Duetto Editorial, 2008), p. 40.
[13] MCGRATH, Alister E. Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica (São Paulo: Shedd,
2005), p. 544.
[14] KÜNG, Hans.
Igreja Católica, p. 71. Também CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos, p. 135.
[15] “O Pontífice
Romano era apenas o principal clérigo do Ocidente, exercendo seu relativo poder
apenas sobre seus subordinados regionais. Os bispos de Alexandria, Antioquia,
Cesaréia e Constantinopla possuíam semelhante autoridade episcopal.”
RAMÁLHO, Jefferson. Jesus é Deus?
(São Paulo: Editora Reflexão, 2008), pp. 79-80
[16] Arquivos
História Viva Cristianismo, pp. 39-40.
[17] CAIRNS, Earle E. O
Cristianismo Através dos Séculos, p.136.
[18] Ibid.
[19] Ibid, p.
135.
[20] Ibid, p.
136.
[21] Para detalhes sobre o assunto: KÜNG, Hans. Igreja Católica, pp. 43-90.
[22] GRUDEM, Wayne. Teologia
Sistemática (São Paulo: Vida Nova, 2000), pp. 715- 718.
Navegando pelos blogs encontrei o seu, me deixou maravilhado pelo que escreve, também é uma bênção para mim. Gostei de poder encontrar pessoa que ama Jesus, e pela escrita também ama o próximo. Que o Senhor Jesus continue a derramar Sua bênçãos sobre sua vida, não poderia de deixar um convite: Tenho um blog O Peregrino e Servo, e pessoas como você me fazem falta como amigos, por isso se desejar fazer parte de meu blog eu ficaria radiante, de seguida irei retribuir seguindo também seu blog. Obrigado e as maiores bênçãos de Deus para si e família. António Batalha.
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