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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Revista 08- LIÇÃO 04- DESAFIO À ÉTICA


AUXILIO 01 


1. Abordagem da terminologia Ética cristã.

1.1 Definição do termo Ética e sua distinção do vocábulo Moral, a partir das análises etimológicas de Henrique de Lima Vaz e Adolpho Sanchez Vázquez. Determinação do que venha a ser Ética.
No capítulo intitulado " Fenomenologia do Ethos " , do segundo tomo de Escritos de Filosofia, Henrique de Lima Vaz procura aprofundar o sentido deste termo que, embora utilisado compulsivamente nos meios acadêmicos e científicos, apresenta-se não tão bem compreendido.
Afinal, o que queremos dizer quando observamos a atitude de alguém e o interpelamos dizendo : "Isto não é ético! "? Queremos dizer que sua atitude não corresponde às normas morais e às leis estabelecidas ou pretendemos dizer algo mais?
Jesus de Nazaré, por exemplo, por várias vezes ele transgrediu os costumes e as leis de sua época ao curar em dia de sábado. Qual cristão ousaria dizer que ele não era ético ou não agiu eticamente? Nesse sentido, é ético infringir as normas ou é ético cumprir literalmente as leis?
Não podemos negar que tais questões nos suscitam uma preocupação sobre a utilização dos termos empregados em certas afirmações e as conclusões morais que delas formulamos. Portanto, para que possamos minimizar ao máximo a margem de erro em na aplicação e utilização do conceito e alcançarmos um maior rigor em nossas reflexões, Lima Vaz nos convida a uma análise etmológica do termo, a fim de podermos falar com maior segurança nesse terreno fascinante mas não menos inquietante que é a Ética.
Segundo este filósofo, a palavra Ética tem a sua origem em dois vocábulos gregos : hqos ( com eta inicial ) e eqos ( com épsilon inicial ). Etmologicamente falando, hqos significa a morada do homem, bem como do animal em geral.[1] Num sentido mais amplo, poderia também significar a casa do homem, extrapolando o sentido restrito de oikos ( casa ) como sala ou construção visando um abrigo, e se configurando como um lugar de estada permanente e habitual, um abrigo protetor onde se desenvolve um esquema praxeológico durável, quer dizer : um estilo de vida e de ação.[2] O hqos se apresenta então como um modo de ser com vista à permanência, instituído pelo homem, para fugir ao caráter efêmero da physis ( natureza ). O domínio da physis, marcado ao mesmo tempo pela efemeridade e pela necessidade da repetição - pois todas as coisas nascem e morrem no círculo ininterrupto de geração - é rompido pela abertura do espaço humano do ethos no qual se inscreve os costumes, os hábitos, as normas e os interditos, os valores e as ações. Como nos diz Henrique de Lima Vaz :
O espaço do hqos enquanto espaço humano, não é dado ao homem, mas por ele construído ou incessantemente reconstruído. Nunca a casa do hqos está pronta e acabada para o homem, e esse seu essencial inacabamento é o signo de uma presença a um tempo próxima e infinitamente distante, e que Platão designou como a presença exigente do Bem, que está além de todo ser ( ousía ) ou para além do que se mostra acabado e completo ( Epekeina ths ousias - PLATÃO : Rep. VI, 509b ).[3]
No que se refere à aplicação do termo eqos ( com épsilon inicial ), ele é utilizado para designar o comportamento que resulta de um constante repetir-se dos mesmos atos : " É o que ocorre frequentemente ou quase sempre ( pollákis ), mas não sempre ( aeí ), nem em virtude de uma necessidade natural ".[4] Ele se opõe ao impulso do desejo. Segundo Lima Vaz, é possível que Kant tenha concebido a sua ética a partir desta segunda acepção, através da qual só têm um valor moral os atos que denotam um esforço pessoal do agente em fazer o que tem de ser feito, opondo-se à sua vontade natural que teima em não fazê-lo. Este domínio de si mesmo em vista de um bem "perfeito", quer dizer, da suprema felicidade, Aristóteles o denominou de autarkeia. :
Entre o processo de formação do hábito e o seu tempo como disposição permanente para agir de acordo com as exigências de realização do bem ou do melhor, o eqos se desdobra como espaço da realização do homem, ou ainda como lugar privilegiado de inscrição da sua praxis.[5]
Para Lima Vaz, três são os momentos que constituem o primum notum , quer dizer, a evidência primeira da reflexão ética: o costume ( eqos ), a ação ( praxis ) e o hábito ( eqos - hexis ):
Na medida em que o costume é fonte das ações tidas como éticas e a repetição dessas acões acaba por plasmar os hábitos. A praxis por sua vêz, é mediadora entre os momentos constitutivos do eqos como costume e hábito, num ir e vir que se descreve exatamente como círculo dialético : a universalidade abstrata do eqos como costume inscreve-se na particularidade da praxis como vontade subjetiva, e é universalidade concreta ou singularidade do sujeito ético no eqos como hábito ou virtude.[6]
Referindo-se a Hegel, Lima Vaz relembra que este círculo dialético pode se resumir na aplicação simples do conceito de liberdade, onde aparece a unidade da vontade racional ( universal ) com a vontade singular. Para Hegel, a diferença entre costume ( eqos ) e a lei ( nomos ) se dá no fato de que a virtude se mostra na aplicação do universal ético como vontade subjetiva, ao passo que a lei se mostra na forma “da vontade objetiva como poder legiferante válido.” [7] Nesse sentido se pode falar que o conteúdo da ação ética é a lei :
A passagem do costume à lei assinala justamente a emergência definitiva da forma de universalidade e, portanto, da necessidade imanente, que será a forma por excelência do eqos, capaz de abrigar a praxis humana como ação efetivamente livre.[8]
Embora pareça contraditório, o exercício e a aplicação das leis se apresenta, para Hegel, como o exercício mais pleno da liberdade, já que a constituição do Estado ( politeia ) nasce do eqos da comunidade, elaborado a partir da praxis que encontra a sua mais alta qualificação na virtude política ou na disposição permanente para o exercício da liberdade sob a soberania da lei justa.
O termo Ética tem sua origem nesse duplo movimento, caracterizado pela instauração do arbitrário no campo da praxis e a sua assimilação pelas leis da polis.

1.1.1 Distinção entre Ética e Moral.
No que se refere a uma ciência do ethos propriamente dita, a cultura ocidental teve que aguardar até o século VII A.C. O seu aparecimento coincide com a estruturação da civilização helênica e se revela como uma verdadeira "laicização da palavra", segundo a expressão utilizada por Marcel Détienne.[9] O surgimento dessa ciência assinala a passagem do logos mítico e sapiencial ao logos epistêmico.
A busca de um logos que exprima a ordem do mundo segundo a ordem das razões, dando origem à noção de natureza ( physis ) repercutiu também sobre os diversos discursos ( logoi ) que dizem respeito à conduta e ao sentido da vida humana. A elaboração do discurso ético em termos sistemáticos iniciou-se por analogia. Por construções metafóricas, os filósofos começaram a aplicar as propriedades físicas do indivíduo às suas qualidades morais, atribuindo ao fim do agir ou da conduta uma primazia na ordem das ações, segundo o modelo do kosmos ou da ordem da natureza.
Com a fundamentação na unidade do logos, "o ethos verdadeiro deixa de ser a opinião do consenso ou da opinião da multidão e passa a ser o que está de acordo com a razão ( katà lógon ) e que é, enquanto tal, conhecido pelo Sábio."[10]
A crítica socrática do ethos fundado sobre a opinião e a justificação do ethos segundo a razão é o motivo pelo qual Aristóteles atribui a Sócrates o título de "pai da ética."
Os primeiros passos em direção à ciência do ethos serão dados no campo da reflexão sobre a lei. A passagem do vocábulo thémis ( lei ordenada por Zeus ) ao vocábulo diké ( justiça segundo a ordem racional do direito ) atesta um esforço da sociedade grega em encontrar uma fundamentação racional do agir humano. Através de Sólon, a Justiça se apresenta como imanente ao tempo ( identificada a Cronos ) e emerge "como uma força histórica no horizonte do destino da pólis."[11]
A Diké torna-se fonte da legitimidade da lei ( nómos ) e, por esta razão, o justo ( díkaion ) será definido como o predicado do verdadeiro cidadão. Ao justo ( anér díkaios ), designado pela justa medida ( métron ) a sociedade opunha o injusto ( anér adíkos ) que agia pela insensatez e falta de razão ( hybris ).
A introdução da idéia do Bem operada por Platão ocasionou um novo espaço de inteligibilidade no discurso filosófico sobre o mal. Este entendido como uma privação ( stéresis ) do Bem. Polo objetivo unificante da praxis, a idéia de Bem se une intrinsicamente à noção de virtude ( areté ) ou ao agir plenamente bom ( eu práttein ) :
A idéia do Bem como fim absoluto e transcendente da vida humana torna-se, assim, o apex conceptual, o princípio absoluto ou "anipotético" da ciência do ethos. Ela permite fundamentar a racionalidade da praxis, mostrando que a sua primazia mensurante com relação ao objeto, segundo o princípio de Protágoras, refere-se, por sua vez, à primazia de uma medida absoluta e perfeita.[12]
Fazendo uma pequena aporia, podemos dizer que na sociedade moderna houve uma disjunção do conceito de virtude ( virtuoso ) da noção de cidadão. O cosmopolitismo das grandes cidades desvinculou o indivíduo de sua relação intrínseca com o Bem da sociedade em que vive. Suas ações não visam o bem-estar daqueles que vivem na pólis ( cidade ) mas o seu bem estar próprio, dando vasão àquilo que denominamos hoje de individualismo. Esta transformação ocasionou uma depreciação ou mesmo indiferença social em relação ao indivíduo "virtuoso", já que é mais apreciado aquele que adquiriu, mesmo que por meios ilícitos, os "bens" tidos como valiosos por essa mesma sociedade.
Adolfo Sanchez Vázquez, por sua vez, procura atualizar e aplicar esses conceitos à sociedade atual, apresentando os elementos que distinguem a Ética da Moral. Para ele, Ética não é apenas uma vertente da reflexão filosófica, mas uma ciência de rigor, caracterizada por um discurso próprio ( logos ), contendo objeto e método rigoroso de análise.
Ainda que o autor não faça a distinção minuciosa entre os vocábulos hqos ( modo de ser ) e eqos ( hábito ), operada por Lima Vaz, terminando por reduzí-los a uma única definição identificada com o termo latino Mores ( costume ), ele tem o cuidado de fazer a devida distinção entre Ética e Moral.
Para ele, Ética é a ciência que analisa e reflete sobre os mais diversos costumes e comportamentos humanos. Embora muito próximos no linguajar popular, estes termos apresentam uma distinção etimológia significativa : Éthos (hqos ), designando o "modo de ser" ou "caráter" conquistados pelo indivíduo e Moral, designando o conjunto de costumes adquiridos pelo hábito ( eqos ).
Resumindo, a Ética pode ser definida como a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade, tendo como objeto próprio o setor da realidade humana que denominamos "moral". A Ética deve ser vista como uma ciência relacionando-se com outras ciências e que recusa toda e qualquer submissão aos outros campos da reflexão filosófica e das ciências humanas. Segundo ele, a Ética, embora partindo de dados empíricos, transcende a simples descrição ou registro de dados. Ela aspira à racionalidade e à objetividade mais completa, proporcionando conhecimentos sistemáticos e, na medida do possível, comprováveis, através de um diálogo constante com as outras ciências; em particular com a psicologia, a sociologia, a antropologia, o direito e a economia política.
Seguindo esta linha de pensamento, podemos lhe perguntar: E por que não em relação à Teologia? Neste sentido, passemos ao segundo tópico desta unidade.

NOTAS

[1]Cf. LIMA VAZ, Henrique C. Escritos de Filosofia II: Ética e cultura, São Paulo: Edições
Loyola, 1988, P. 12.
[2]Cf.Ibid., p. 13.
[3]Ibid.
[4]Ibid., p. 14.
[5]Ibid., p. 14-15.
[6]Ibid.
[7]Cf. Ibid., p. 16.
[8]Ibid.
[9]Cf. Ibid., p. 44.
[10]Ibid., p. 45.
[11]Ibid.
[12]Ibid., p. 53 ( Cf. Ibd. nota 72 ).

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